domingo, julho 13, 2003
Torga...
Vila Nova, 7 de Novembro de 1934 – Acabou hoje tudo. Como sempre, fiquei derrotado. Quando já não era possível ter ilusões, agarrava-me a uma ilusão ainda maior e... esperava. É coisa que nunca pude destruir em mim: a ideia de que um ser, desde que nasce, fica logo com direito (e obrigação) de viver os sessenta anos da média. Muitas vezes me aconteceu ir a férias e assistir a uma sementeira de meu Pai. Depois, ver i milhão ou o linho a despontar. E, embora sabendo que aquelas vidas eram efémeras, voltar à leira nas férias seguintes e ficar desolado ao ver lá, em vez de linho ou milhão, um batatal espesso. E dizer a meu Pai: — «Então o linho que aqui havia? — Colheu-se em Agosto, filho». Em Agosto, realmente, o linho amadurece. Nos curtos meses que a natureza determina , tira ao sol o mais calor que pode e enche-se dele. Depois dá sinais de cansaço, e morre.
Mas este pequenito ainda não tinha recebido nenhum sol. Ainda estava na primeira semana. Nem o caule sòbriamente fibroso, nem a flor azul e delicada, nem a semente parda e madura. E foi por tudo isto que, ao chegar ao quarto, tive a sensação mais dolorosa da minha vida. Ali estava, ainda não substituído por cevada ou centeio, mas prestes. A mãe lavada em pranto. E ele, muito branco, muito discreto, voltado para a parede, a renegar de costas os remédios inúteis espalhados pela mesa de cabeceira.
Um médico nem sequer pode chorar. Só pode pegar no bracito magro e morno, apertar a artéria inerte e ficar uns segundos a trincar os dentes. Depois sair sem dizer nada.
Quem saberá por ai uma palavra para estes momentos? Uma palavra para um médico dizer a esta mãe, que entregou à vida um filho vivo e recebeu da vida um filho morto.
Miguel Torga, Diário I – Coimbra, Ed. Autor
PUTAQUEPARIU! Há alturas da vida em que nos devíamos cingir a coisas leves...
Mas este pequenito ainda não tinha recebido nenhum sol. Ainda estava na primeira semana. Nem o caule sòbriamente fibroso, nem a flor azul e delicada, nem a semente parda e madura. E foi por tudo isto que, ao chegar ao quarto, tive a sensação mais dolorosa da minha vida. Ali estava, ainda não substituído por cevada ou centeio, mas prestes. A mãe lavada em pranto. E ele, muito branco, muito discreto, voltado para a parede, a renegar de costas os remédios inúteis espalhados pela mesa de cabeceira.
Um médico nem sequer pode chorar. Só pode pegar no bracito magro e morno, apertar a artéria inerte e ficar uns segundos a trincar os dentes. Depois sair sem dizer nada.
Quem saberá por ai uma palavra para estes momentos? Uma palavra para um médico dizer a esta mãe, que entregou à vida um filho vivo e recebeu da vida um filho morto.
Miguel Torga, Diário I – Coimbra, Ed. Autor
PUTAQUEPARIU! Há alturas da vida em que nos devíamos cingir a coisas leves...
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